quinta-feira, 24 de março de 2011

Resumo da carta de Pero Vaz de Caminha

Pero Vaz de Caminha nasceu em 1450, prestou alguns serviços à coroa portuguesa e em 1500 compôs a frota dirigida por Pedro Álvares Cabral. Na qualidade de escrivão desta referida frota, coube a ele redigir uma carta ao rei Dom. Manuel I comunicando-lhe sobre o "achamento" da terra brasileira.
Neste sentido Caminha inicia seu texto, contando-nos como fora sua viagem. A Partida se deu no dia nove de março de 1500, na manhã do dia 14 estavam entre as ilhas Canárias e no dia 22 na altura de Cabo Verde. No dia 23, o autor nos conta sobre o único acidente da empreitada, quando uma nau se perde sem nenhuma justificativa aparente para isso. Com um navio a menos a viagem prossegue. No dia 21 de abril, terça feira de páscoa, reconhecem-se sinais de terra. No dia seguinte avistam um monte e logo em seguida terra! Caminha nos conta que o capitão nomeou a terra como "Terra de Vera Cruz" o monte, em virtude da proximidade da Páscoa, como "Monte Pascual". Dia 23, navegaram para a dita terra. Neste momento se deu o primeiro contato entre nativos e portugueses. 
Eles não se entenderam e limitaram-se a trocar presentes. Pero Vaz de Caminha faz então, uma atenciosa analise destes nativos, destacando os fatos que lhe chama a atenção, como a beleza, a nudez e a inocência destes homens. Estes mesmos comentários, sobretudo a respeito da nudez, serão repetidos diversas vezes ao longo da carta. Caminha também fala várias vezes da necessidade de catequizar estes homens, que ele julga ser puro e pronto para receber a fé católica. Ele acredita que os nativos não têm nenhuma outra crença. No dia 24, os navios menores entram em um abrigo natural, fazendo-o de porto. Cabral o chama de Porto Seguro. É neste dia ainda que ocorre um dos fatos mais conhecidos do descobrimento: Um casal indígena é convidado a subir a nau portuguesa e lá chegando, apontam em direção a um colar de ouro e a um castiçal de prata, apontando em seguida a terra. Esses movimentos foram interpretados por Caminha como sendo indicativo da presença de ouro e prata naquela terra. No dia seguinte os demais navios também entram no Porto Seguro e no dia 26, sendo domingo de Páscoa, ocorre a primeira missa. Esta missa foi assistida por todos os integrantes da frota portuguesa e pelos índios da região. Nos quatro dias posteriores os marinheiros ajudados pelos nativos preparam os navios para seguir viagem. Paralelamente, uma cruz de madeira foi feita pelos carpinteiros da frota, fato este que muito atraiu a curiosidade dos índios, segundo caminha mais pelos instrumentos de ferro usados (desconhecidos para os nativos), que pela cruz em si. No dia 1º é celebrada uma segunda missa. Desta vez, além da missa foi colocado junto a uma árvore a tal cruz de madeira. Os portugueses, a mando de Cabral, se joelham e beijaram a cruz. Com isso queriam mostrar aos índios a dedicação e submissão que tinham para com aquele ícone da religião católica. No dia seguinte partiram, deixando pra trás, além da cruz, dois homens condenados à morte com a missão de entender as línguas e costumes daquela região. Caminha encerra seu discurso fazendo um apelo pessoal ao rei, para que ele interceda junto a seu genro, Jorge de Osório, que se encontrava preso na ilha de São Tomé.
A carta de Pero Vaz de Caminha é de um valor histórico incalculável! É com ela que hoje podemos saber uma série de elementos sobre a situação do Brasil a época do descobrimento, como é o caso do comportamento dos índios. A simpatia inegável que Caminha revela pelos primeiros habitantes de nossa terra permite-nos vê-lo como um exemplo do humanista da época, intelectualmente curioso e tolerante com os costumes diferentes dos seus. Seu senso de observação e sua capacidade de narrar também não são menos digno de elogios. Caminha é tão honesto na observação dos fatos, que relata na carta, as dúvidas que porventura tenha tido. Enfim é um texto de imprescindível leitura para aquele que queira entender o descobrimento do 
Brasil.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A CARTEIRA - Machado de Assis


   ...DE REPENTE, Honório olhou para o chão e viu uma carteira. Abaixar-se, apanhá-la e guardá-la foi obra de alguns instantes. Ninguém o viu, salvo um homem que estava à porta de uma loja, e que, sem o conhecer, lhe disse rindo: 
    - Olhe, se não dá por ela; perdia-a de uma vez. 
    - É verdade, concordou Honório envergonhado. 
    Para avaliar a oportunidade desta carteira, é preciso saber que Honório tem de pagar amanhã uma dívida, quatrocentos e tantos mil-réis, e a carteira trazia o bojo recheado. A dívida não parece grande para um homem da posição de Honório, que advoga; mas todas as quantias são grandes ou pequenas, segundo as circunstâncias, e as dele não podiam ser piores. Gastos de família excessivos, a princípio por servir a parentes, e depois por agradar à mulher, que vivia aborrecida da solidão; baile daqui, jantar dali, chapéus, leques, tanta cousa mais, que não havia remédio senão ir descontando o futuro. Endividou-se. Começou pelas contas de lojas e armazéns; passou aos empréstimos, duzentos a um, trezentos a outro, quinhentos a outro, e tudo a crescer, e os bailes a darem-se, e os jantares a comerem-se, um turbilhão perpétuo, uma voragem. 
    - Tu agora vais bem, não? dizia-lhe ultimamente o Gustavo C..., advogado e familiar da casa. 
    - Agora vou, mentiu o Honório. 
    A verdade é que ia mal. Poucas causas, de pequena monta, e constituintes remissos; por desgraça perdera ultimamente um processo, em que fundara grandes esperanças. Não só recebeu pouco, mas até parece que ele lhe tirou alguma cousa à reputação jurídica; em todo caso, andavam mofinas nos jornais. 
    D. Amélia não sabia nada; ele não contava nada à mulher, bons ou maus negócios. Não contava nada a ninguém. Fingia-se tão alegre como se nadasse em um mar de prosperidades. Quando o Gustavo, que ia todas as noites à casa dele, dizia uma ou duas pilhérias, ele respondia com três e quatro; e depois ia ouvir os trechos de música alemã, que D. Amélia tocava muito bem ao piano, e que o Gustavo escutava com indizível prazer, ou jogavam cartas, ou simplesmente falavam de política. 
    Um dia, a mulher foi achá-lo dando muitos beijos à filha, criança de quatro anos, e viu-lhe os olhos molhados; ficou espantada, e perguntou-lhe o que era. 
    - Nada, nada. 
    Compreende-se que era o medo do futuro e o horror da miséria. Mas as esperanças voltavam com facilidade. A idéia de que os dias melhores tinham de vir dava-lhe conforto para a luta. Estava com, trinta e quatro anos; era o princípio da carreira: todos os princípios são difíceis. E toca a trabalhar, a esperar, a gastar, pedir fiado ou emprestado, para pagar mal, e a más horas. 
    A dívida urgente de hoje são uns malditos quatrocentos e tantos mil-réis de carros. Nunca demorou tanto a conta, nem ela cresceu tanto, como agora; e, a rigor, o credor não lhe punha a faca aos peitos; mas disse-lhe hoje uma palavra azeda, com um gesto mau, e Honório quer pagar-lhe hoje mesmo. Eram cinco horas da tarde. Tinha-se lembrado de ir a um agiota, mas voltou sem ousar pedir nada. Ao enfiar pela Rua da Assembléia é que viu a carteira no chão, apanhou-a, meteu no bolso, e foi andando. 
    Durante os primeiros minutos, Honório não pensou nada; foi andando, andando, andando, até o Largo da Carioca. No Largo parou alguns instantes, - enfiou depois pela Rua da Carioca, mas voltou logo, e entrou na Rua ruguaiana. Sem saber como, achou-se daí a pouco no Largo de S. Francisco de Paula; e ainda, sem saber como, entrou em um Café. Pediu alguma cousa e encostou-se à parede, olhando para fora. Tinha medo de abrir a carteira; podia não achar nada, apenas papéis e sem valor para ele. Ao mesmo tempo, e esta  era a causa principal das reflexões, a consciência perguntava-lhe se podia utilizar-se do dinheiro que achasse. Não lhe perguntava com o ar de quem não sabe, mas antes com uma expressão irônica e de censura. Podia lançar mão do dinheiro, e ir pagar com ele a dívida? Eis o ponto. A consciência acabou por lhe dizer que não podia, que devia levar a carteira à polícia, ou anunciá-la; mas tão depressa acabava de lhe dizer isto, vinham os apuros da ocasião, e puxavam por ele, e convidavam-no a ir pagar a cocheira. Chegavam mesmo a dizer-lhe que, se fosse ele que a tivesse perdido, ninguém iria entregar-lha; insinuação que lhe deu ânimo. 
    Tudo isso antes de abrir a carteira. Tirou-a do bolso, finalmente, mas com medo, quase às escondidas; abriu-a, e ficou trêmulo. Tinha dinheiro, muito dinheiro; não contou, mas viu duas notas de duzentos mil-réis, algumas de cinqüenta e vinte; calculou uns setecentos mil-réis ou mais; quando menos, seiscentos. Era a dívida paga; eram menos algumas despesas urgentes. Honório teve tentações de fechar os olhos, correr à cocheira, pagar, e, depois de paga a dívida, adeus; reconciliar-se-ia consigo. Fechou a carteira, e com medo de a perder, tornou a guardá-la. Mas daí a pouco tirou-a outra vez, e abriu-a, com vontade de contar o dinheiro. Contar para quê? era dele? Afinal venceu-se e contou: eram setecentos e trinta mil-réis. Honório teve um calafrio.
Ninguém viu, ninguém soube; podia ser um lance da fortuna, a sua boa sorte, um anjo... Honório teve pena de não crer nos anjos... Mas por que não havia de crer neles? E voltava ao dinheiro, olhava, passava-o pelas mãos; depois, resolvia o contrário, não usar do achado, restituí-lo. Restituí-lo a quem? Tratou de ver se havia na carteira algum sinal. "Se houver um nome, uma indicação qualquer, não posso utilizar-me do dinheiro," pensou ele. 
    Esquadrinhou os bolsos da carteira. Achou cartas, que não abriu, bilhetinhos dobrados, que não leu, e por fim um cartão de visita; leu o nome; era do Gustavo. Mas então, a carteira?... Examinou-a por fora, e pareceu-lhe efetivamente do amigo. Voltou ao interior; achou mais dous cartões, mais três, mais cinco. Não havia duvidar; era dele.
    A descoberta entristeceu-o. Não podia ficar com o dinheiro, sem praticar um ato ilícito, e, naquele caso, doloroso ao seu coração porque era em dano de um amigo. Todo o castelo levantado esboroou-se como se fosse de cartas. Bebeu a última gota de café, sem reparar que estava frio. Saiu, e só então reparou que era quase noite. Caminhou para casa. Parece que a necessidade ainda lhe deu uns dous empurrões, mas ele resistiu. 
    "Paciência, disse ele consigo; verei amanhã o que posso fazer." 
    Chegando a casa, já ali achou o Gustavo, um pouco preocupado. E a própria D. Amélia o parecia também. Entrou rindo, e perguntou ao amigo se lhe faltava alguma cousa. 
    - Nada. 
    - Nada? 
    - Por quê? 
    - Mete a mão no bolso; não te falta nada? 
    - Falta-me a carteira, disse o Gustavo sem meter a mão no bolso. 
Sabes se alguém a achou? 
    - Achei-a eu, disse Honório entregando-lha. 
    Gustavo pegou dela precipitadamente, e olhou desconfiado para o 
amigo. Esse olhar foi para Honório como um golpe de estilete; depois de tanta luta com a necessidade, era um triste prêmio. Sorriu amargamente; e, como o outro lhe perguntasse onde a achara, deu-lhe as explicações precisas. 
    - Mas conheceste-a? 
    - Não; achei os teus bilhetes de visita. 
    Honório deu duas voltas, e foi mudar de toilette para o jantar. Então Gustavo sacou novamente a carteira, abriu-a, foi a um dos bolsos, tirou um dos bilhetinhos, que o outro não quis abrir nem ler, e estendeu-o a D. Amélia, que, ansiosa e trêmula, rasgou-o em trinta mil pedaços: era um bilhetinho de amor. 

IDÉIAS DO CANÁRIO - Machado de Assis

        UM HOMEM dado a estudos de ornitologia, por nome Macedo, referiu a alguns amigos um caso tão extraordinário que ninguém lhe deu crédito. Alguns chegam a supor que Macedo virou o juízo. Eis aqui o resumo da narração. 
        No princípio do mês passado, - disse ele, -  indo por uma rua, sucedeu que um tílburi à disparada, quase me  atirou ao chão. Escapei saltando para dentro de urna loja de belchior. Nem o estrépito do cavalo e do veículo, nem  a minha entrada fez levantar o dono do negócio, que cochilava ao fundo, sentado numa cadeira de abrir. Era um frangalho de homem, barba cor de palha suja, a cabeça enfiada em um gorro esfarrapado, que provavelmente não achara comprador. Não se adivinhava nele nenhuma história, como podiam ter alguns dos objetos que vendia, nem se lhe sentia a tristeza austera e desenganada das vidas que foram vidas. 
        A loja era escura, atualhada das cousas velhas, tortas, rotas, enxovalhadas, enferrujadas que de ordinário se acham em tais casas, tudo naquela meia desordem própria do negócio. Essa mistura, posto que banal, era interessante. Panelas sem tampa, tampas sem panela, botões, sapatos, fechaduras, uma saia preta, chapéus de palha e de pêlo, caixilhos, binóculos, meias casacas, um florete, um cão empalhado, um par de chinelas, luvas, vasos sem nome, dragonas, uma bolsa de veludo, dous cabides, um bodoque, um termômetro, cadeiras, um retrato litografado pelo finado Sisson, um gamão, duas máscaras de arame para o carnaval que há de vir, tudo isso e o mais que não vi ou não me ficou de memória, enchia a loja nas imediações da porta, encostado, pendurado ou exposto em caixas de vidro, igualmente velhas. Lá para dentro, havia outras cousas mais e muitas, e do mesmo aspecto, dominando os objetos grandes, cômodas, cadeiras, camas, uns por cima dos outros, perdidos na escuridão. 
        Ia a sair, quando vi uma gaiola pendurada da porta. Tão velha como o resto, para ter o mesmo aspecto da desolação geral, faltava-lhe estar vazia. Não estava vazia. Dentro pulava um canário. A cor, a animação e a graça do passarinho davam àquele amontoado     de destroços uma nota de vida e de mocidade. Era o último passageiro de algum naufrágio, que ali foi parar íntegro e alegre como dantes. Logo que olhei para ele, entrou a saltar mais abaixo e acima, de poleiro em poleiro, como se quisesse dizer que no meio daquele cemitério brincava um raio de sol. Não atribuo essa imagem ao canário, senão porque falo a gente retórica; em verdade, ele não pensou em cemitério nem sol, segundo me disse depois. Eu, de envolta com o prazer que me trouxe aquela vista, senti-me indignado do destino do pássaro, e murmurei baixinho palavras de azedume. 
        -  Quem seria o dono execrável deste bichinho, que teve ânimo 
de se desfazer dele por alguns pares de níqueis? Ou que mão indiferente, não querendo guardar esse companheiro de dono defunto, o deu de graça a algum pequeno, que o vendeu para ir jogar uma quiniela? 
        E o canário, quedando - se em cima do poleiro, trilou isto: 
        -  Quem quer que sejas tu, certamente não estás em teu juízo. Não tive dono execrável, nem fui dado a nenhum menino que me vendesse. São imaginações de pessoa doente; vai-te curar, amigo...
        - Como ? - interrompeu, sem ter tempo de ficar espantado. 
Então o teu dono não te vendeu a esta casa? Não foi a miséria ou a ociosidade que te trouxe a este cemitério, como um raio de sol? 
        -  Não sei que seja sol nem cemitério. Se os canários que tens visto usam do primeiro desses nomes, tanto melhor, porque é bonito, mas estou que confundes. 
        -  Perdão, mas tu não vieste para aqui à toa, sem ninguém, salvo se o teu dono foi sempre aquele homem que ali está sentado. 
        -  Que dono? Esse homem que aí está é meu criado, dá-me água e comida todos os dias, com tal regularidade que eu, se devesse pagar-lhe os serviços, não seria com pouco; mas os canários não pagam criados. Em verdade, se o mundo é propriedade dos canários, seria extravagante que eles pagassem o que está no mundo. 
        Pasmado das respostas, não sabia que mais admirar, se a linguagem, se as idéias. A linguagem, posto me entrasse pelo ouvido como de gente, saía do bicho em trilos engraçados. Olhei em volta de mim, para verificar se estava acordado; a rua era a mesma, a loja era a mesma loja escura, triste e úmida. O canário, movendo a um lado e outro, esperava que eu lhe falasse. Perguntei-lhe então se tinha saudades do espaço azul e infinito... 
        -  Mas, caro homem, trilou o canário, que quer dizer espaço  azul e infinito? 
        -  Mas, perdão, que pensas deste mundo? Que cousa é o mundo? 
        -  O mundo, redargüiu o canário com certo ar de professor, o mundo é uma loja de belchior, com uma pequena gaiola de taquara, quadrilonga, pendente de um prego; o canário é senhor da gaiola que habita e da loja que o cerca. Fora daí, tudo é ilusão e mentira.
        Nisto acordou o velho, e veio a mim arrastando os pés. Perguntou-me se queria comprar o canário. Indaguei se o adquirira, como o resto dos objetos que vendia, e soube que sim, que o comprara a um barbeiro, acompanhado de uma coleção de navalhas. 
        - As navalhas estão em muito bom uso, concluiu ele. 
        - Quero só o canário. 
        Paguei-lhe o preço, mandei comprar uma gaiola vasta, circular, de madeira e arame, pintada de branco, e ordenei que a pusessem na varanda da minha casa, donde o passarinho podia ver o jardim, o repuxo e um pouco do céu azul. 
        Era meu intuito fazer um longo estudo do fenômeno, sem dizer nada a ninguém, até poder assombrar o século com a minha extraordinária descoberta. Comecei por alfabeto a língua do canário, por estudar-lhe a estrutura, as relações com a música, os sentimentos estéticos do bicho, as suas idéias e reminiscências. Feita essa análise filológica e psicológica, entrei propriamente na história dos canários, na origem deles, primeiros séculos, geologia e flora das ilhas Canárias, se ele tinha conhecimento da navegação, etc. Conversávamos longas horas, eu escrevendo as notas, ele esperando, saltando, trilando. 
        Não tendo mais família que dous criados, ordenava-lhes que não me interrompessem, ainda por motivo de alguma carta ou telegrama urgente, ou visita de importância. Sabendo ambos das minhas ocupações científicas, acharam natural a ordem, e não suspeitaram que o canário e eu nos entendíamos. 
        Não é mister dizer que dormia pouco, acordava duas e três vezes por noite, passeava à toa, sentia-me com febre. Afinal tornava ao trabalho, para reler, acrescentar, emendar. Retifiquei mais de uma observação, -  ou por havê-la entendido mal, ou porque ele não a tivesse expressado claramente. A definição do mundo foi uma delas. Três semanas depois da entrada do canário em minha casa, pedi-lhe que me repetisse a definição do mundo. 
        -  O mundo, respondeu ele, é um jardim assaz largo com repuxo no meio, flores e arbustos, alguma grama, ar claro e um pouco de azul por cima; o canário, dono do mundo, habita uma gaiola vasta, branca e circular, donde mira o resto. Tudo o mais é ilusão e mentira.
        Também a linguagem sofreu algumas retificações, e certas conclusões, que me tinham parecido simples, vi que eram temerárias. Não podia ainda escrever a memória que havia de mandar ao Museu Nacional, ao Instituto Histórico e às universidades alemãs, não porque faltasse matéria, mas para acumular primeiro todas as observações e ratificá-las. Nos últimos dias, não saía de casa, não respondia a cartas, não quis saber de amigos nem parentes. Todo eu era canário. De manhã, um dos criados tinha a seu cargo limpar a gaiola e pôr-lhe água e comida. O passarinho não lhe dizia nada, como se soubesse que a esse homem faltava qualquer preparo científico. Também o serviço era o mais sumário do mundo; o criado não era amador de pássaros. 
        Um sábado amanheci enfermo, a cabeça e a espinha doíam-me. O médico ordenou absoluto repouso; era excesso de estudo, não devia ler nem pensar, não devia saber sequer o que se passava na cidade e no mundo. Assim fiquei cinco dias; no sexto levantei-me, e só então soube que o canário, estando o criado a tratar dele, fugira da gaiola. O meu primeiro gesto foi para esganar o criado; a indignação sufocou-me, caí na cadeira, sem voz, tonto. O culpado defendeu-se, jurou que tivera cuidado, o passarinho é que fugira por astuto... 
        -  Mas não o procuraram? 
        -  Procuramos, sim, senhor; a princípio trepou ao telhado, trepei também, ele fugiu, foi para uma árvore, depois escondeu-se não sei onde. Tenho indagado desde ontem, perguntei aos vizinhos, aos chacareiros, ninguém sabe nada. 
        Padeci muito; felizmente, a fadiga estava passada, e com algumas horas pude sair à varanda e ao jardim. Nem sombra de canário. Indaguei, corri, anunciei, e nada. Tinha já recolhido as notas para compor a memória, ainda que truncada e incompleta, quando me sucedeu visitar um amigo, que ocupa uma das mais belas e grandes chácaras dos arrabaldes. Passeávamos nela antes de jantar, quando ouvi trilar esta pergunta: 
        - Viva, Sr. Macedo, por onde tem andado que desapareceu? 
        Era o canário; estava no galho de uma árvore. Imaginem como fiquei, e o que lhe disse. O meu amigo cuidou que eu estivesse doudo; mas que me importavam cuidados de amigos? Falei ao canário com ternura, pedi-lhe que viesse continuar a conversação, naquele nosso mundo composto de um jardim e repuxo, varanda e gaiola branca e circular... 
        - Que jardim? que repuxo? 
        - O mundo, meu querido. 
        - Que mundo? Tu não perdes os maus costumes de professor. 
O mundo, concluiu solenemente, é um espaço infinito e azul, com o 
sol por cima. 
        Indignado, retorqui-lhe que, se eu lhe desse crédito, o mundo era tudo; até já fora uma loja de belchior... 
        - De belchior? trilou ele às bandeiras despregadas. Mas há mesmo lojas de belchior? 

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Excalibur (Caledfwlch)


Talvez essa seja a mais misteriosa de todas as espadas da literatura mundial. Suas histórias e lendas já renderam livros, filmes, jogos, desenhos e muito mais. Apesar das versões divergentes, Excalibur foi desde muito cedo ligada à mitologia do Rei Arthur, grande herói da Bretanha que teria vivido no século V.
Nos relatos mais conhecidos, Excalibur é uma espada presa a uma pedra. Sua posse daria ao lutador grandes poderes em batalha, mas apenas o legítimo herdeiro do trono poderia retirá-la.
Em As Brumas de Avalon, Excalibur é um presente da Dama do Lago, sacerdotisa de Avalon, e era acompanhada por uma bainha que protegia o usuário contra ferimentos letais.
Na trilogia Crônicas do Rei Arthur, de Bernard Cornwell, Excalibur é um dos 13 tesouros antigos da Bretanha, forjada no outro mundo e entregue por Merlin a Arthur, para ajudar a expulsar os invasores saxões.

sábado, 25 de dezembro de 2010

A criatividade dos autores presos.


Dia desses parei para pensar na criatividade dos escritores e cheguei a conclusão de que as dificuldades da prisão podem ser um grande estímulo à isso. Ou seria simplesmente o ócio?  Seja como for, algumas das grandes obras da literatura foram escritas em uma cela de prisão, e muitos autores hoje consagrados precisaram praticar seu ofício enquanto cumpriam penas.
Ainda no ano 8 A.C. o poeta romano Publius Ovidius Naso, mais conhecido por nós como Ovídio, foi banido de Roma pelo imperador Augustus. Por quê? A tradição diz que a causa era a imoralidade de seus versos. Isso é possível, porque Ovídio foi um escritor de versos eróticos muito talentoso, embora quase nunca eles fossem pornográficos. Augustus, porém, era uma pessoa puritana, e infelizmente para Ovídio, também era a pessoa mais poderosa do mundo.
E a lista foi ficando cada vez maior. Em 1298, por exemplo, o explorador Marco Pólo se tornou prisioneiro durante um ano, ao comandar uma esquadra na guerra entre Veneza e Gênova. No período em que esteve encarcerado ditou ao companheiro de cela de nome Rusticiano, os capítulos da obra o Livro das Maravilhas – A Descrição do Mundo. Marco Polo torna-se famoso. Ao sair da prisão, volta para Veneza, onde fica até a morte. No decorrer dos séculos, o Livro das Maravilhas transforma-se num clássico traduzido para inúmeras línguas.
Entre os presidiários ilustres podemos citar também romancista inglês Thomas Malory. Sua obra, A morte de Artur, um dos mais famosos romances sobre as histórias do rei Artur e os Cavaleiros da Távora Redonda, foi escrita em 1469, quando ele cumpria pena de prisão em Londres. Malory acabou morrendo por lá mesmo, em 1471, mas o livro foi publicado em 1485, rendendo a ele um reconhecimento póstumo.
Uma das maiores obras da literatura mundial, “Dom quixote“, também teve início em uma prisão. Miguel de Cervantes (acima) foi preso em 1597 em Servilha por dívidas, e começou a escrita de  seu famoso livro durante os três meses em que esteve encarcerado. Tempos depois ele se tornou prisioneiro novamente, dessa vez, dos piratas mouros, com quem viveu por cinco anos.
Entre 1717 e 1718, o filósofo Voltaire passou onze meses preso na bastilha por escrever poemas contra o regime de governo da época. Foi durante este tempo que deu início ao poema épico “Henríade”.
Em 1759 o escritor John Cleland  também estava preso por dívidas. Foi então que recebeu uma proposta irrecusável de um editor que se comprometia a pagar todos os débito e tirá-lo da prisão, se escrevesse uma novela pornográfica. Nesse momento nasceu o clássico “Fanny Hill – Memórias de Uma Mulher de Prazer”.
Mas ao longo da história, as “perversões” mais colocaram que tiraram os homens do xadrez. O Marquês de Sade (1740-1814),  por exemplo, conhecido por obras libertinas, que exploravam o prazer na dor física ou moral, escreveu várias de seus livros enquanto esteve internado em um hospício por ordem de Napoleão Bonaparte.
Em maio de 1895 – após ter passado por três julgamentos – o escritor Oscar Wilde, ftambém amoso também por suas opções sexuais, foi condenado a dois meses de trabalhos forçados sob a acusação de “cometer atos imorais com rapazes”. No livro “De Profundis”, Wilde descreveu as terríveis condições da prisão: “É sempre crepúsculo na cela, como é sempre o crepúsculo no coração“.
Outra história triste é a de Jean Genet (1910). Abandonado pela mãe na infância, entrou cedo no mundo dos crimes, indo parar em um reformatório aos 10 anos de idade. Fugiu logo em seguida e mudou de nome, continuando na vida bandida como garoto de programa e ladrão.  Foi para a prisão novamente e lá permaneceu por 13 anos, período em que iniciou sua carreira literária. Publicou em 1940 o romance “Nossa Senhora das Flores”.
Outro que pode ter se beneficiado das experiências do cárcere foi o escritor russo Dostoievski (acima). Em 1849 ele foi preso por conspirações revolucionárias. Passou 8 meses recluso e chegou a estar diante do pelotão de fuzilamento, com a venda nos olhos, quando a pena foi comutada. São posteriores a esse episódio sua maiores obras, que o transformaram em um dos maiores nomes da literatura mundial e guardam grandes influências do ocorrido, como “Memórias do Subsolo“, “Crime e Castigo“, “O Idiota” e “Os Irmãos Karamázov“.
Adolf Hitler, antes de se tornar um grande ditador, também esteve preso durante cinco anos na prisão de Landsberg. Sua prisão ocorreu em 1923 e foi durante o confinamento que nasceu o livro “Mein Kampf” (Minha Luta), obra considerada como a bíblia do Nazismo.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O OLHO GREGO!

Acredita-se que este olho protege contra energia negativa e traz sorte. “O objeto é usado em rituais islâmicos e é curiosa a sua adoção por povos cristãos, como a Grécia e a Armênia”, esclarece Safa Jubran, professora de língua e literatura árabe da Universidade de São Paulo (USP). “Ele é encontrado em todos os países árabes, Armênia, Grécia e Irã”. É muito comum ver olhos gregos ou turcos pendurados em portas, carros ou na forma de pingentes, anéis e chaveiros. Em turco, o olho é chamado de Nazar Bancugu. Bancugu quer dizer “conta”, de rosário. A palavra Nazar, da língua árabe e emprestada pela Turquia, significa olhar, visão. Acredita-se que quando existe algum mau olhado, o olho absorve a energia e se quebra, protegendo a pessoa da negatividade. A forma mais comum do amuleto é o olho de vidro azul. Acredita-se que o mau olhado tem a cor azul, portanto o olho de vidro da mesma cor seria o mais eficaz em desviá-lo. Uma das teorias para a adoção do azul é o fato de se tratar de uma cor rara na população local, que tem, em sua maioria, olhos castanhos ou cor-de-mel. Também conhecido como o Olho que Tudo Vê, o olho turco – um único olho humano cercado por feixes de luz – é símbolo do poder observador e protetor de um Ser Supremo. Ele aparece no Grande Selo dos EUA e até em alguns símbolos da Maçonaria, onde representa o Grande Arquiteto do Universo. Função semelhante de proteção foi dada ao Olho de Horus, no Antigo Egito, e ao Terceiro Olho do Buda, na Índia. A fusão de culturas também chegou na elaboração dos amuletos. Como a região que engloba a Turquia coincide com áreas da Europa e do norte da África, onde a ferradura é usada como amuleto de proteção, na Turquia é possível encontrar uma combinação das duas. Ferraduras cobertas por pequenos olhos são as mais comuns
Fonte: pesquisa em diversos sites.
 

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Filmes e séries inspiradas por livros nacionais. (ESPECIAL)

Nada inspira a indústria cinematográfica como um bom livro. E quem  nunca saiu do cinema comparando uma obra com a outra? Começarei hoje uma série de especiais que trarão para o blog livros que deram origem a filmes e séries. Para estrear, selecionamos 7 livros de autores brasileiros.  Aproveite,  e não se esqueça de se deixar seus comentários e sugestões!

 
Livro A Hora da Estrela - Clarice LispectorA Hora da Estrela – Clarice Lispector
Clássico de Lispector, conta a história de Macabéa, uma nordestina feia, jovem e desajeitada,  sem dinheiro, sem cultura, sem identidade e sem história que vai viver em São Paulo. Deu origem a filme brasileiro de mesmo nome, filmado em 1985.
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Filme A Hora da Estrela - Clarice Lispector
Drauzio Varella - Estação CarandiruEstação Carandiru – Drauzio Varella
O dia-a-dia de um médico que atende no presídio de segurança máxima de Carandiru, convivendo com a realidade dos prisioneiros atrás das grades. Baseados em fatos reais e na experiência do próprio Drauzio Varella.
Carandiru
Elite da Tropa - Luiz Eduardo SoaresElite da Tropa – Luiz Eduardo Soares – André Baptista – Rodrigo Pimentel
Um dos filmes brasileiros mais comentados, assistidos e pirateados de todos os tempos, foi inspirado em livro do antropólogo Luiz Eduardo Soares com dois policiais. As obras mostram de forma crua as contradições daviolência, do tráfico de drogas e da polícia do Rio de Janeiro.
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postertropavi8 [Especial] Livros que inspiraram filmes e séries   Nacionais
Cidade de Deus - Paulo LinsCidade de Deus – Paulo Lins
Retrato da favela Cidade de Deus, no Rio: seus moradores, o meio criminal, a corrupção da polícia. Deu origem ao filme de Fernando Meirelles. Filme e livro “irmãos” de Carandiru.
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Cidade de Deus - Fernando Meirelles
Dom Casmurro - Machado de AssisDom Casmurro – Machado de Assis
Uma das obras máximas da literatura brasileira, e obra prima do autor, leitura indispensável para qualquer um. Recentemente a rede globo filmou uma microsérie baseada no romance.
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Capitu - Minisérie Brasileira
Cazuza - Lucinha Araújo
Cazuza – Só as Mães são Felizes – Lucinha Araújo
Sob a forma de depoimento, Lucinha Araujo narra a vida e os conflitos de seu filho Cazuza, um dos maiores nomes do rock brasileiro. Através das obras acompanhamos não só o dia-a-dia de Cazuza, mas de toda uma época, juntamente com outros inportantes nomes da música brasileira.
Cazuza - O Tempo não para - Filme
olga2tz6 [Especial] Livros que inspiraram filmes e séries   NacionaisOlga – Fernando Morais
Narra a história da judia alemã Olga Benário Prestes (1908-1942). Militante comunista desde jovem, Olga é perseguida pela polícia e foge para Moscou, onde faz treinamento militar. É encarregada de acompanhar Luís Carlos Prestes ao Brasil para liderar a Intentona Comunista de 1935, se apaixonando por ele na viagem. Livro escrito por Fernando Morais, filme dirigido por Jaime Monjardim.
                                                Crétidos ao BlogEbooks.
olga1vd9 [Especial] Livros que inspiraram filmes e séries   Nacionais