Elegia: Indo para o leito
Vem, Dama, vem que eu desafio a paz;
Até que eu lute, em luta o corpo jaz.
Como o inimigo diante do inimigo,
Canso-me de esperar se nunca brigo.
Solta esse cinto sideral que vela,
Céu cintilante, uma área ainda mais bela.
Desata esse corpete constelado,
Feito para deter o olhar ousado.
Entrega-te ao torpor que se derrama
De ti a mim, dizendo: hora da cama.
Tira o espartilho, quero descoberto
O que ele guarda quieto, tão de perto.
O corpo que de tuas saias sai
É um campo em flor quando a sombra se esvai.
Arranca essa grinalda armada e deixa
Que cresça o diadema da madeixa.
Tira os sapatos e entra sem receio
Nesse templo de amor que é o nosso leito.
Os anjos mostram-se num branco véu
Aos homens. Tu, meu anjo, és como o Céu
De Maomé. E se no branco têm contigo
Semelhança os espíritos, distingo:
O que o meu Anjo branco põe não é
O cabelo mas sim a carne em pé.
Deixa que minha mão errante adentre.
Atrás, na frente, em cima, em baixo, entre.
Minha América! Minha terra a vista,
Reino de paz, se um homem só a conquista,
Minha Mina preciosa, meu império,
Feliz de quem penetre o teu mistério!
Liberto-me ficando teu escravo;
Onde cai minha mão, meu selo gravo.
Nudez total! Todo o prazer provém
De um corpo (como a alma sem corpo) sem
Vestes. As jóias que a mulher ostenta
São como as bolas de ouro de Atalanta:
O olho do tolo que uma gema inflama
Ilude-se com ela e perde a dama.
Como encadernação vistosa, feita
Para iletrados a mulher se enfeita;
Mas ela é um livro místico e somente
A alguns (a que tal graça se consente)
É dado lê-la. Eu sou um que sabe;
Como se diante da parteira, abre-
Te: atira, sim, o linho branco fora,
Nem penitência nem decência agora.
Para ensinar-te eu me desnudo antes:
A coberta de um homem te é bastante.
John Donne
Comparação e retratação das visões de amores postas em Elegia indo para o leito de John Donne, com Vida Nova de Dante:
Comparando as visões de amores postas em Vida Nova de Dante Alighieri e em Elegia indo para o leito de John Donne, temos diferentes conceituações sobre o que é, e do que se compõe o amor.
Segundo Dante em Vida Nova o amor pressupõe algo sagrado e simbólico, ou seja, não precisaria ter um contato físico para senti-lo, pois era um amor platônico onde bastava ver a amada para desposasse em amor.
É sabido por nós que Dante amava incondicionalmente Beatriz, e ainda, à endeusava considerando seu escudo de amor, ele a caracterizava também, como uma pessoa pura, gentil e amável, chegando por muitas vezes chamá-la de santa: “cumprimentou-me tão virtuosamente que, naquela saudação, julguei ver todas as expressões da santidade” Logo, para ele, o amor seria espiritual e divino.
Em contra partida, temos John Donne pressupondo no poema Elegia: indo para o leito, que não há amor sem corpo, e que o contato físico faz parte do processo. Ele atribui um caráter sagrado a coisas que são profanas, ou seja, sacraliza o ato do sexo. Isto é percebido no fragmento em que ele diz: “tira os sapatos e entra sem receio nesse templo de amor que é o nosso leito”, ou seja, ele faz uma paródia, pois quando diz “templo de amor”, está fazendo uma alusão à cama.
Com ênfase, podemos ressaltar ainda, a subversão do sacro feita por Donne, isto é, revolucionar a visão do amor santo. E para dar exemplo a está interpretação da subversão, pode ser citado o seguinte fragmento: “o que o meu anjo branco põe não é o cabelo, mas sim a carne em pé”.
SILVA, Rosana de Fátima. Visões de amores: Dante Vs Donne. Mariana (MG), 2010.
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